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Problemas de Naturezas Diferentes requerem Estratégias de Pensamento Diferentes

  • Foto do escritor: Pablo Carballeira
    Pablo Carballeira
  • 8 de out. de 2024
  • 9 min de leitura

O principal objetivo deste artigo é ajudar você a refletir sobre como lidar com as situações que enfrenta na sua empresa e até mesmo na sua vida. Ao finalizar a leitura, espero que você possa identificar com mais clareza o que pode funcionar na sua realidade, antes de tomar decisões ou apostar em alternativas que não se conectam verdadeiramente aos seus problemas.


Introdução

Ao buscar “transformar negócios”, líderes de médias e grandes empresas frequentemente substituem abordagens antigas por outras mais recentes, acreditando que as novas são superiores. O medo de se tornarem “obsoletos” e a pressão imediata por resultados reforçam ainda mais esse comportamento, que busca substituir algo que “não está funcionando” por uma “novidade”.


Essa substituição contínua, sem uma compreensão clara de como a “novidade” realmente ajudará a resolver os problemas, tem frustrado organizações que investem pesadamente sem obter o retorno esperado. Ao mesmo tempo, isso beneficia consultorias, que sempre têm a “próxima solução” pronta para oferecer.


Esse ciclo vicioso de frustração perpetua-se, sempre acompanhado de novas soluções “prontas para resolver tudo”. Vimos isso acontecer quando métodos tradicionais de gestão foram amplamente substituídos por métodos ágeis, sob a crença de que estes eram superiores. No entanto, muitos investimentos em grandes transformações ágeis não atenderam às expectativas e estão sendo descontinuados.


Minha principal preocupação é esclarecer que a troca de abordagens com base em argumentos genéricos, como “há algo mais eficaz do que o que você está usando”, não faz sentido. Agir dessa forma é perda de tempo e frequentemente leva a decisões equivocadas. Para afirmar que algo é melhor, é necessário especificar o contexto.


Todas as abordagens têm valor, desde que usadas de maneira consciente e adequada ao problema específico. Conhecer a evolução das abordagens utilizadas nas empresas ao longo do tempo pode ajudá-lo a tomar decisões mais embasadas. Essa evolução segue os avanços científicos, que oferecem a base para o desenvolvimento dessas abordagens.

Vamos começar com um breve resumo da evolução científica relacionada à natureza dos problemas.


Um breve resumo dos PROGRESSOS CIENTÍFICOS


No final da década de 1950, um extenso relatório para a divisão de Ciências Naturais da Fundação Rockefeller, onde o cientista Warren Weaver ocupava um cargo importante desde 1932, dividiu os últimos séculos de pesquisa científica em três campos:


Estudo dos PROBLEMAS SIMPLES


Problemas simples são aqueles que envolvem duas ou três variáveis. Por terem poucas variáveis, é possível entender com profundidade o comportamento de cada uma delas e como se influenciam. Exemplos incluem a relação entre corrente elétrica, voltagem e resistência, ou entre a pressão e o volume de um gás.


A ciência que possibilitou o entendimento de problemas de poucas variáveis lançou os fundamentos das teorias da luz, do som, do calor, da eletricidade, e nos deu o telefone, o rádio, o automóvel, o avião, o fonógrafo, o cinema, a turbina, o motor a diesel e as usinas hidrelétricas modernas.


Foi o avanço do conhecimento da física nos ajudou a lidar com problemas simples, de poucas variáveis. 



Abordagens para PROBLEMAS SIMPLES


Abordagens prescritivas — aquelas que apresentam um passo a passo para resolver um problema — são adequadas para problemas simples, que não trazem surpresas. Eles são previsíveis e têm soluções conhecidas.


Por exemplo, se você nunca trocou um pneu e ele furar durante uma viagem, basta seguir o manual e você poderá resolver o problema com segurança. Da mesma forma, se sua empresa enfrenta um problema de baixa rentabilidade, é possível atuar em variáveis como receita, preço ou custo para que a rentabilidade seja impactada diretamente.


Buscar “a melhor solução” para problemas simples é recomendável, já que existem “receitas” conhecidas que garantem resultados nesses cenários. No entanto, essa abordagem não deve ser aplicada a problemas de natureza diferente.


O desejo de que existam soluções conhecidas para todos os problemas não torna essa ideia verdadeira; ela só é válida para problemas simples.


Estudo dos problemas de COMPLEXIDADE DESORGANIZADA


Até 1900, estávamos preparados para analisar o movimento de duas ou três bolas em uma mesa de bilhar (problemas simples). Porém, analisar o movimento de dez ou quinze bolas ao mesmo tempo era inviável devido ao grande número de variáveis. Imagine uma mesa de bilhar com milhões de bolas.


Problemas de complexidade desorganizada envolvem milhões de variáveis e só puderam ser abordados com os avanços da mecânica estatística e da teoria da probabilidade entre 1900 e 1950. São complexos porque há muitos agentes se inter-relacionando e são  caracterizados como “desorganizados” porque não criam qualquer comportamento de nível superior além de amplas tendências estatísticas. 


Abordagens para problemas de COMPLEXIDADE DESORGANIZADA


Os avanços no estudo desses problemas permitiram o desenvolvimento de abordagens como a análise de tendências, usadas por companhias de seguros para prever riscos e lucros. Esses métodos probabilísticos proporcionam uma visão “elevada” dos problemas, concentrando-se no comportamento do todo sem se preocupar com variáveis individuais.

Essas abordagens têm ajudado empresas a planejar melhor suas ofertas e ajustar seus serviços conforme a demanda.


Estudo dos problemas de COMPLEXIDADE ORGANIZADA


Com os estudos sobre como resolver problemas simples e, em seguida, sobre como resolver problemas de complexidade desorganizada, a metodologia científica foi de um extremo ao outro, deixando de lado uma vasta região central.


Essa terceira “categoria” de problemas estava apenas começando a ser compreendida pela ciência na década de 1950. Conforme mencionado por Weaver no relatório citado no início deste artigo: “o método estatístico de lidar com a complexidade desorganizada, um progresso tão poderoso em relação aos primeiros métodos de poucas variáveis, deixa um grande campo intocado”. Havia uma região intermediária entre as equações de poucas variáveis e os problemas envolvendo bilhões de variáveis. Convencionalmente, essa região envolvia um número “moderado” de variáveis, mas o tamanho do sistema era, na verdade, uma característica secundária. Muito mais importante do que o número de variáveis é o fato de que todas essas variáveis estão inter-relacionadas. Quando contrastados com as situações desorganizadas, que as estatísticas podem abordar, esses problemas mostram o aspecto essencial de organização que deu origem ao nome desse grupo de problemas: “complexidade organizada”.


Na complexidade organizada, os agentes seguem regras específicas e, por meio de suas interações, criam um comportamento macro distinto, formando um padrão específico. Foi a partir de 1950, com o avanço das ciências biológicas, que houve um intenso aprofundamento no entendimento de problemas de complexidade organizada.


Abordagens para problemas de COMPLEXIDADE ORGANIZADA


Jane Jacobs, uma crítica apaixonada das questões urbanas, foi uma das pioneiras nos estudos sobre grandes cidades. Em seu livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, ela defendeu que as cidades são problemas de “complexidade organizada”. No período pós-guerra, era comum que planejadores urbanos e autoridades lidassem com favelas destruindo bairros inteiros e construindo novos conjuntos habitacionais. Embora esses novos edifícios melhorassem o espaço para moradia, o ambiente geral desses projetos deteriorava-se rapidamente, contribuindo para o aumento da criminalidade e a destruição do sentimento de comunidade.



Jane Jacobs, autora do livro "Morte e Vida nas Grandes Cidades"
Jane Jacobs, autora do livro "Morte e Vida nas Grandes Cidades"


Jacobs entrou em ação em 1961, quando a Comissão de Planejamento da Cidade de Nova York propôs demolir parte do bairro histórico de West Village, onde vivia. Ela liderou protestos, argumentando que a solução para melhorar as ruas da cidade não era destruir áreas problemáticas, mas aprender com as ruas que já funcionavam bem. Em sua defesa, Jacobs usou o relatório de Weaver para a Fundação Rockefeller em favor da exploração dos problemas de complexidade organizada. Ela sustentou que a cidade funciona como um “ballet” dinâmico e interconectado, onde interações locais geram uma ordem urbana espontânea e segura.


Tratando a cidade como um problema de complexidade desorganizada, como era comum na época, na forma de estatística, os cidadãos, por exemplo, não pertenciam a mais nenhum núcleo além da família e podiam ser tratados racionalmente como grãos de areia, elétrons ou bolas de bilhar. As interconexões do sistema e seus impactos não eram considerados quando se tratava o problema como de complexidade desorganizada. Apenas olhávamos para “o todo”, desprezando aspectos importantes das interações humanas.


As reflexões de Jane Jacobs, juntamente com outros estudiosos de diferentes áreas da época, trouxeram a urgente necessidade de novas abordagens para lidar com problemas de complexidade organizada.


Apesar de constatarmos claramente que muitos aspectos de uma cidade são intencionalmente planejados, como prédios residenciais e comerciais, praças, shopping centers etc., existem outros aspectos que podemos observar e que não são planejados por ninguém, confirmando a tese de que, a partir de interações locais, emergem padrões globais não planejados intencionalmente.


Pense na cidade de São Paulo. O bairro da Vila Madalena é um lugar onde vivem artistas, filósofos, músicos etc., assim como o West Village de Nova York. Popularmente chamado de “público alternativo”, essas pessoas foram, ao longo dos anos, se instalando no bairro. Lá, lojas com “roupas descoladas”, cafés com espaços para conversas filosóficas, livrarias e barzinhos também foram aumentando gradativamente. Quem determinou isso? Quem disse a todo esse público alternativo que eles deveriam se instalar na Vila Madalena? Isso é resultado de algum planejamento centralizado? Não!


Esse é um exemplo de um “padrão global” que emergiu a partir de interações locais.

É como se um primeiro grupo de artistas tivesse inicialmente decidido morar em alguma rua do bairro e, ao conversar com outro grupo, estimulou uma nova decisão de também irem morar lá. Em seguida, um primeiro comerciante visitou o local e resolveu trazer sua loja com produtos alternativos para lá e, de repente… “emergiu” um padrão. 


Assim como a cidade representa essencialmente um problema de complexidade organizada, problemas familiares podem ser outro bom exemplo de situações dessa natureza. Imagine, por exemplo, uma pessoa casada, com três filhos, relatando que o casamento não está em um bom momento, que não sabe o que fazer, que o casal está distante. O filho mais velho perdeu o interesse pela faculdade, o do meio fica o dia inteiro trancado no quarto, enquanto o mais novo não sai dos aparelhos eletrônicos. Essa pessoa recebe como recomendação uma “receita” prescrevendo o que deve fazer, com a garantia de que funcionou com várias outras famílias: “Saia pelo menos duas vezes por semana com seu companheiro(a) para um restaurante bacana, troque seu filho mais velho de curso, proíba o do meio de ficar no quarto e retire os eletrônicos do mais novo, oferecendo outra atividade que ocupe seu tempo. Faça isso por três meses e, ao final, tudo estará resolvido. Já utilizamos essa abordagem com várias famílias.” Claramente percebemos a incoerência dessa solução para a situação familiar acima. Mas por quê? O que exatamente nos causa estranheza? Problemas de complexidade organizada, como os da família, são aqueles que se caracterizam pelo surgimento de “padrões emergentes”, que “emergem” como resultado das interações dos agentes (pessoas e/ou coisas). É a partir dessas “interações locais” que surgem “padrões globais” espontaneamente. São padrões espontâneos, porque não foram planejados intencionalmente, nem determinados por ninguém. Eles simplesmente “emergem” como resultado de inúmeras interações dos agentes.


É uma “ordem global” que “emerge” de interações locais.


A recomendação dada a essa família é uma incoerência que acontece com muita frequência dentro das empresas, já que traz uma solução prescritiva para resolver um problema cujos padrões emergentes precisariam ser investigados antes de pensar no que fazer. Problemas de complexidade organizada não têm solução “conhecida” ou “correta” e requerem outras estratégias para serem solucionados.


Mas, já que não temos como saber a “solução correta” quando se trata de problemas de complexidade organizada, o que fazer então?

Precisamos explorar a realidade e identificar padrões “indesejados”. Sem conhecer esses padrões, buscar soluções é perda de tempo.


E como fazer essa exploração e identificar esses padrões então? É aí que entram as abordagens emergentes.


Abordagens emergentes, ao contrário das prescritivas, fogem da lógica de “buscar a melhor solução para o problema”. Elas reconhecem que, quando se trata de situações de complexidade organizada, a estratégia precisa ser outra. Enquanto as abordagens prescritivas buscam “prescrever” uma receita com uma solução conhecida para problemas que são claros, o uso de abordagens emergentes possibilita que essas possíveis soluções (ou caminhos) “emerjam” a partir da exploração do contexto.


Existem alguns aspectos centrais que devemos considerar para atuar com abordagens emergentes, como o uso de narrativas, mas isso é um assunto para outro artigo. Nosso objetivo aqui, como comentado no início, é despertar em você a consciência de que, para problemas de naturezas diferentes, existem estratégias diferentes para serem resolvidos. Não podemos tentar resolver todos os problemas usando um mesmo tipo de raciocínio para todos eles.


Conclusão


Em função da carência de conhecimento sobre o uso de abordagens emergentes, ainda prevalece, com bastante intensidade, o uso incoerente de abordagens prescritivas para tentar resolver problemas de complexidade organizada.


Como percebemos ao longo das explicações trazidas neste artigo, este é um erro que pode facilmente ser evitado.


Lembre-se: é possível “trocar um pneu” com uma receita passo a passo, mas não é possível resolver um problema familiar usando a mesma estratégia. 


Essa afirmação é igualmente válida para os problemas da sua empresa. Também não é possível definir como seguir com um projeto de desenvolvimento de um produto, se o problema em si exigir maiores explorações envolvendo interconexões e padrões emergentes.

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Não caia na armadilha de tratar todos os problemas da mesma forma. Evite, antecipadamente, grandes frustrações e investimentos mal direcionados. Para que melhores decisões sejam tomadas, é necessário conhecer mais sobre como funcionam diferentes tipos de abordagens e a forma como elas se conectam com a natureza dos problemas que vivenciamos.


Entre em contato conosco para entender como você e sua empresa podem obter benefícios com o uso de abordagens emergentes.


Nossa mentoria pode ser um primeiro passo.



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